sábado, 16 de abril de 2011

Crônica do ex-namorado.

Por Brunno Leal

Esbarrar com ex é conflitar si próprio.

Ex tem a chave do nosso baú de segredos. É o carteiro das nossas lembranças.

Feliz quem não possui ex. Hoje o homem não necessita mais chegar na boate girando a chave do carro ou declamando trechos de Chico Buarque. O predicado mais enaltecedor é dizer que não tem ex. Os 'sem-ex' estão em alta no mercado, face sua quase extinção. São a certeza de que o constrangimento passará longe.

O ex é a cobaia do amor. É o seu plano de vida adiado, mas também é a sua lembrança tomando forma, pois querendo ou não, ainda sente seu cheiro. É esbarrar com ele na noitada e desejar se afogar naquele copo de caipirinha. É abrir o sorriso mais amarelo e perguntar: 'Tudo bom?' Óbvio que está bom, não poderia estar melhor. Vê-se na obrigação de apresentar o 'amigo de faculdade' para o namorado, e nota seu sorrisinho saliente, como quem diz: 'Também conheço a tatuagem de borboleta que ela tem na virilha, garotão...'

Ex é um homicida sem culpa no cartório.

Reencontrar com ex é encenar. Quando terminaram, você estava no segundo ano de psicologia, batendo de consultório em consultório atrás de estágio. O cara pergunta se você já se formou, e a resposta não poderia ser outra se não um efusivo 'claro!', inclusive com clínica montada. Ora, o que você iria dizer? A verdade? Que abandonou a faculdade no ano passado e que da vida só sabe dizer que pede pizza por telefone aos domingos? Vai encher a bola dele e dizer que ainda é o dono das suas idealizações para um utópico futuro? O cara perdeu foi um partidão, e sua vida está muito melhor sem ele, nem que apenas por aquela noite. A massagem no ego também pode ser um amontoado de mal-entendidos.

Tem aqueles que fingem não se olharem, e esse é um caso à parte. Ou restou ódio demais ou amor demais. Ou você quer voar no pescoço dele ou você também quer voar no pescoço dele. Fingem que não se viram, mas trocam trezentos e oitenta e quatro olhares de rabo de olho durante a noite. Em um instante o ódio pega atalho e vira amor. Se com a ajuda de alguns mojitos, pega foguete. Dois extremos sempre têm o mesmo fim como objetivo. É carta manjada e questão de tempo.

Tem ex que perde a tensão e fica o tesão. Vai o coração, mas fica a carne. Explodem sem qualquer responsabilidade um com o outro. Esses são espertos.

Rever o ex é dar o ultimato, nem que o reveja trinta vezes. É amarrar os próprios cadarços um ao outro. É montar uma armadilha contra si próprio e cair quantas vezes for necessário.

Ex é abreviatura de exemplo. É citar na prática o que se aprende em teoria. É trazer à vida o que antes era decoreba e perceber os erros pra não mais cometê-los com o próximo. Ou com ele mesmo.

Porque amar não é afronta. Exemplo e realidade não conhecem diferenças.

O moralista não é.

    O moralista é uma espécie de consciência avessada dentro do nosso próprio corpo, que se manisfesta quando a sociedade está olhando. Seria meramente ilustrativo sermos caixas embaladas como o moralismo espera: a persona cravejada de dógmas.
     O moralista é como receita de bolo, dosado, na medida, com sabor previsto. Mas só quando é teórico.
Quando o forno esquenta mesmo, quando o desejo supera o tabu e o bolo desanda a moral vira estranha. O bolo se degenera. E que falta de decência é oferecer um bolo desandado...
     O moralista sabe que peca arduamente, lascivamente, abrasivamente. Então quando vai julgar... mente.
A puta é a ovelha desgarrada, o moralista é o pastor cego. O viado é a dialética, o moralista a demagogia. A nudez é o dragão, o moralista São jorge. O sexo é o contágio aberto, o moralista é o enclave contagiado. Somos a mandrágora, oque é previsto ser é o maná.
O desejo é o bixo selvagem dentro da gente, que grunhi, que é feio, que é assombroso, que é nosso olho virado ao avesso enxergando por dentro. A moral é nossa máscara sorridente, que em busca do respeito supremo julga desenfreada.
    O moralista não é.
Nem nunca será. Por que a moral é amordaçada e o humano sempre será um animal solto, desgarrado, dialético, soltando fogo.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

















"Apenas 2,4% da humanidade é feliz. Essa ínfima minoria, integrada por monges trapistas, alguns matemáticos, noviças abobadas e uns poucos artistas, gente conservada na calda da mansidão à custa de poesia ou barbitúricos. Um clube de dementes de categorias variadas, malucos de diversos calibres. Gente esquisita, que vivi alheia nas frestas da realidade. Só assim conseguem entregar-se por inteiro aquilo que consagram como objeto de culto e devoção. Para viver num estado de excitação constante, confinados num território particular, incandescente, vedado aos demais. Uma reserva de sonho contra tudo que não é doce, sutil ou sereno. É o mais próximo da felicidade que podemos experimentar." 


                                                                      Benjamim Schianberg