quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

CADERNO ABERTO

por Rafael Moreno



O terminado tem sempre razão. Porque quem desiste e encontra motivos é um covarde. E todo covarde é racional. Eu gosto dos que lutam, dos que choram, dos que esperam cinquenta anos: eu gosto dos Florentinos Ariza. O terminado tem sempre razão porque não desistiu. E, quando chora, é porque não queria que o outro desistisse. E quando liga às cinco da madrugada. E quando foge de comédias românticas. E quando insiste em não ouvir Cartola. Está sempre certo. Tem razão porque estava disposto a lutar. A mudar. A melhorar. A salvar. Quem desiste é um racional. É um covarde: enxerga defeito onde existe defeito. Encontra motivos. E todo covarde tem um milhão de motivos.

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Em se tratando de amor, todo homem deveria ser uma mulher. A mulher acredita no amor eterno, no amor único, e mais: nunca vai deixar de acreditar. O homem, não. O homem é um lúcido. Acredita, mesmo, que não deve chorar. Acredita, mesmo, que não deve lutar. O homem é um conformado. E não existe pior canalha do que o conformado.

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O tempo entrega a verdade. O tempo tira as máscaras. E você começa a reparar que a barriga dele está crescendo, a perna dela tem veias, ele se veste mal, ela sua no bigode. Começar a reparar numa celulite, numa preguiça para o banho. A se cansar do excesso de queixas, do excesso de carinho, de carência, do excesso de choro, de dias mal humorados. Ele arrota muito. Ela deixa o sapato na sala. Estraga comida. É pirangueiro. Tem chulé. Então você descobre que não quer viver o resto da vida com essa pessoa. E o erro é seu: você queria um amor cego.

Mas o amor não é cego. Ele é tudo, menos cego. O amor rochedo - aquele que, ao invés de dar inveja, dá esperança - enxerga tudo de ruim. E continua existindo. Existindo com estria, com ronco. Existindo com pagode, sertanejo. Existindo com bafo. Com peido. Com desculpas para não transar. O amor existe com dívidas, com liseu, sem férias. E mais: ele só existe, ele só acontece, quando os dois conseguem tirar as suas máscaras. Vai ver, sei lá, que ele só existe depois de 20, 30 anos.
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Quem tem a natureza feliz não se permite viver um grande amor. Quer esquecer rápido. Quer voltar a sorrir. Não consegue lutar. Nem esperar. Os felizes não amam seriamente.

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