sexta-feira, 11 de junho de 2010

Uma Didática da Invenção

Por Manoel de Barros.

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:

a) Que o esplendor da manhã não se abre com
faca.
b) O modo como as violetas preparam o dia
para morrer.
c) Por que é que as borboletas de tarjas
vermelhas têm devoção por túmulos.
d) Se o homem que toca de tarde sua existência
num fagote, tem salvação

        

e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega
mais ternura que um rio que flui entre 2 lagartos.
f) Como pegar na voz de um peixe.
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
Etc.
etc.
etc.
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.



No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para Dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.

           


Quando o homem faz sua primeira lagartixa,
É quando um trevo assume a noite
E um sapo engole as auroras .



Para entrar em estado de árvore é preciso

partir de um torpor animal de lagarto às
3 horas da tarde, no mês de agosto.
Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer
em nossa boca.


Sofreremos alguma decomposição lírica até
o mato sair na voz.
Hoje eu desenho o cheiro das árvores.




O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa
era a imagem de um vidro mole que fazia uma
volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta
que o rio faz por trás de sua casa se chama
enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.

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