segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Outras águas.

(Maria Sanz Martins) O fim do ano traz o nascimento de outro; o fim dos cabelos escuros traz os cabelos brancos; o fim do verão traz o outono e o fim do inverno, a primavera. O fim de ontem trouxe hoje e quando hoje se acabar, o amanhã recomeça. A gente nasce, cresce, vê que a chuva cessa, que o sol reaparece, que o mundo gira, que os cabelos embranquecem, e aprende que gente também recomeça. (Uns se reinventam por natureza, outros por desejo ou vaidade, e outros, ainda, por absoluta necessidade). Viramos o ano, aprendemos a virar o disco e até a folha se for preciso. Cortamos os gastos, os cabelos e, às vezes, também o barato. Trocamos fraldas, a noite pelo dia e o bar pela padaria. Partimos corações, bolos, e para longe, dentro de enormes aviões. Rompemos a placenta, o silêncio e os laços. Mudamos de casa, de cidade, de país, de profissão, de estado civil, de idéia e também de opinião. Acho que por isso Mário Quintana deixou escrito “Nunca dês nome a um rio; Sempre é outro rio que passa”. (A verdade da poesia é essa: na vida quase nada se acaba, recomeça.) Aliás, sendo honesta, confesso: sou do tipo que não sinto obrigação de terminar tudo a que dei inicio. Já parei muito filme chato na metade; deixei de lado livros enjoados; já abandonei um curso, um papo furado, um projeto e um prato. Paro quando sinto o vento da insatisfação – não por preguiça, ou receio de não saber como acabar – meu desejo é tão logo recomeçar. E se, enfim, a natureza é a infinita ópera da transformação. Então nós, meros intérpretes, nos adaptamos aos ritmos, ora tranqüilos, ora frenéticos dessa imperiosa orquestra. Somos forças naturais em constante reinvenção. Semente, flor, fruto e suco. Chuva, rio, mar e oceano. Estudante, estagiária, produtora e escritora. Ruiva, morena e loira. Tenista, cozinheira, arrumadeira, cartunista e costureira. Menina, irmã, amiga, mulher, nora, mãe, sogra e avó. Em Vitória, no Rio, Japão ou Londres. Aqui, lá, assim, assado, por cima ou por baixo. (Como as águas que correm por debaixo da ponte, tudo é só por um instante).

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