segunda-feira, 12 de abril de 2010

Começo este poema de amor na hora incerta
como o menino que canta mais forte
ao passar diante do cemitério.
E digo amor. Rangem as dobradiças
de cada som. Quebra-se cada letra,
estripo cada grama do seu sentido
— todo de grumos entre as mãos, sangue preso…
Fóssil que quer libertar-se
da dureza mineral, coral,
fruto de rubi. Milagre do espelho
que multiplica o seu desejo. A angústia
abdica do seu nome: o trono
está vazio e convoca algum tirano
desconhecido, com certeza mais cruel.
O gavião mira, de longe, a passagem dos dias:
não escapa nenhum de seu olho frio.
Tudo dorme. E te digo amor, me obstino
em dizer-te assim. E a não queimar
a carcaça da palavra, onde parece que a carne
começa já a apodrecer. Não. Redizer-te.
Redizer-te em arranhões na parede
que ergues entre o meu desejo e Tu.

Maria Mercê Maçal

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